
Varíola
No meio da pandemia do coronavírus (COVID-19), medidas para combater o vírus são cada vez mais exigidas. A corrida para encontrar uma vacina eficiente se torna cada vez mais necessária. Para isso, voltamos no tempo até chegar a época onde o vírus da varíola circulava, com a finalidade de entender mais sobre esse mecanismo tão essencial para a saúde humana.
Por muitos séculos, a varíola acompanhou a raça humana de forma prejudicial, levando milhões de vidas a um fim. Essa doença viral contagiosa atualmente já não circula pelo mundo, pois foi erradicada oficialmente no início da década de 80. Suas características mais marcantes eram as cicatrizes e rostos desfigurados daqueles que sobreviviam a enfermidade. Foi considerada um “flagelo humano” devido ao grande período de tempo de presença e sua grande quantidade de mortes em todos os continentes.
Existem poucos relatos da doença antes do século X, por isso ainda não é possível determinar quando e onde foi sua origem, surgindo divergências entre os pesquisadores. Com o surgimento de grandes cidades, a aglomeração humana foi inevitável, o que condicionou um aumento de casos de varíola. Não há muita precisão no que tange as estimativas de morte, pois houve uma grande demora para registrar formalmente os dados, sendo que muitas vezes a varíola foi confundida com outras doenças emergentes da época, como peste negra, febre tifoide, etc., gerando um diagnóstico equivocado. Apenas em 1629, em Londres, houve o início do registro oficial da causa mortis (Bills of Mortality).
Foi introduzida acidentalmente no Brasil na época da colonização, tanto pelos europeus como pelos africanos escravizados. Porém, de forma proposital, foi usada depois como uma arma de bioterrorismo pelos colonizadores pois, uma vez que os indígenas não possuíam nenhuma resistência a doenças europeias, foram derrotados pela moléstia e sua população em grande parte dizimada. Algumas pesquisas dizem que cerca de três milhões de nativos morreram de varíola em toda a América.

O AGENTE ETIOLÓGICO
O vírus dentro da célula
Parasitas obrigatórios, os vírus não são considerados seres vivos pela sua incapacidade de manter o metabolismo independente de uma célula hospedeira. A ausência de células, ribossomos e organelas o faz procurar as nossas células para replicar seu material genético e, assim, dar continuidade a sua existência e ocasionando as mais diversas patologias nos seres vivos.
A estrutura viral é constituída por ácido nucleico (DNA ou RNA), que pode ser linear ou circular, sendo revestida por uma estrutura proteica conhecida como capsídeo. Alguns vírus possuem envelope e outros não são envelopados.
No caso da varíola, o agente agressor é o vírus do gênero Ortopoxvírus, da família Poxviridae¹, que possui o material genético constituído por DNA e é envelopado por uma dupla membrana lipoprotéica. No microscópio ótico se apresenta com a forma de granulações finas, já no microscópio eletrônico tem forma cilíndrica. Exposto alguns meses ao meio o vírus pode ser viável, mas devido as circunstâncias como a temperatura, o vírus perde o seu poder infectante em alguns minutos.
A sua virulência, isto é, a capacidade de causar doença ou dano ao hospedeiro é baixa, porém, é preciso ressaltar que mesmo assim o vírus causou muitos prejuízos, devido a diversos fatores de cuidados e prevenção diferentes dos dias atuais, além da condição agressiva que o próprio vírus provoca no organismo.
Por ser da família Poxviridae, codificam proteínas que possibilitam a sua replicação no hospedeiro. Estão inclusas as proteínas que inicialmente estimulam o crescimento da célula do hospedeiro e, posteriormente, resultam em quebra das células e propagação do vírus.
A transmissão da doença se dá pelo contato, onde o indivíduo ao conversar próximo a outro pode secretar gotículas de salivas e secreções respiratórias, além do compartilhamento de objetos como lençóis, toalhas, copos, talheres e entre outros. Assim, o vírus entra nas células do hospedeiro e começa sua multiplicação, proliferando-se por todo o corpo.
REFERÊNCIAS
1. LEVI, GUIDO CARLOS; KALLAS, ESPER GEORGES. Varíola, sua prevenção vacinal e ameaça como agente de bioterrorismo. Rev. Assoc. Med. Bras., São Paulo , v. 48, n. 4, p. 357-362, Dec. 2002 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-42302002000400045&lng=en&nrm=iso>.
SINTOMAS

As marcas de uma doença
Febre alta, prostração, forte cefaleia e dor lombar. A varíola acomete aqueles que entram em contato com seu vírus de forma que o mal-estar se torna rotina. Esses primeiros sintomas podem aparecer após 14 dias de incubação, isto é, são duas semanas até o indivíduo ter sinais claros de que contraiu a doença. Característica da enfermidade, as lesões cutâneas se desenvolvem com o passar dos dias, enquanto o quadro infeccioso se intensifica. Aparecem exantemas que progridem como pápulas, tornando-se vesículas, e finalizando a primeira semana como pústulas. Após 12 dias, surgem as crostas e os exantemas nas mucosas orais, rosto e braços, avançando por todo o corpo, gerando as lesões características da doença.
Além disso, quando não tratada logo, a varíola pode causar complicações, a citar infecções bacterianas secundárias na pele, problemas na córnea e encefalite, uma vez que ela tem a capacidade se se alastrar por todo o corpo. Logo, uma vez que há um declínio abrupto na saúde, com essa debilitação era comum que os casos pudessem resultar em morte. Daqueles que sobrevivem, geralmente ganhavam cicatrizes e não raro ficavam cegos.
Assim, é preciso ressaltar a forma como as lesões, que por ora eram vistas apenas como algo prejudicial, transformaram-se em esperança para a erradicação da doença. Resumidamente, as pústulas possuem linfas em seu interior, ou seja, é nessa região, tão temida pelo ser humano, que estava o grande avanço em prol do combate a varíola: os anticorpos extraídos das lesões, quando inoculados em uma pessoa não infectada, podiam protegê-la de uma forma mais grave da doença.
REFERÊNCIAS
FERNANDES, Tania Maria. Imunização antivariólica no século XIX no Brasil: inoculação, variolização, vacina e revacinação. Hist. cienc. saude-Manguinhos, Rio de Janeiro , v. 10, supl. 2, p. 461-474, 2003 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702003000500002>
LEVI, GUIDO CARLOS; KALLAS, ESPER GEORGES. Varíola, sua prevenção vacinal e ameaça como agente de bioterrorismo. Rev. Assoc. Med. Bras., São Paulo , v. 48, n. 4, p. 357-362, Dec. 2002 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-42302002000400045&lng=en&nrm=iso>

PROFILAXIA E TRATAMENTO
Como profilaxia ideal, a prevenção se baseia na vacina (ver abaixo A chegada da vacina), um grande avanço que permitiu a erradicação da varíola e a vitória no combate de diversas outras doenças. Porém, uma vez com o vírus no organismo, ainda não existe um tratamento específico, portanto a recomendação é o uso de medicamentos para controlar a infecção.
UMA ATENÇÃO MUNDIAL: Uma vez erradicada, é comum pensar que medidas de profilaxia e tratamento não são mais necessárias. Porém, atualmente a complicação – e preocupação – mundial da varíola encontra-se no âmbito do bioterrorismo. Laboratórios na Rússia e nos Estados Unidos ainda possuem cepas protegidas por um alto nível de segurança, entretanto, não se descarta a possibilidade de falha na segurança russa e americana ou armazenamentos clandestinos em qualquer lugar do mundo. Nos dias atuais, grande parte da população não foi vacinada devido a falta de necessidade de proteção a uma doença que já não circula mais. Assim, pesquisas continuam em busca de novas vacinas antivariólicas, medicamentos e formas para minimizar um possível ataque, uma vez que, se reintroduzido na população, a varíola poderia gerar uma epidemia rapidamente, atingindo uma letalidade superior a 25%¹.Logo, mesmo após décadas de erradicação da doença, ainda há necessidade de estudos para prevenção e até mesmo revisão, sendo notável o fato de que a varíola foi uma grande parte da história da humanidade, onde é possível extrair muitos aprendizados, desde o sintoma mais simples até a pior complicação.
REFERÊNCIAS
1. LEVI, GUIDO CARLOS; KALLAS, ESPER GEORGES. Varíola, sua prevenção vacinal e ameaça como agente de bioterrorismo. Rev. Assoc. Med. Bras., São Paulo , v. 48, n. 4, p. 357-362, Dec. 2002 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-42302002000400045&lng=en&nrm=iso>
REZENDE, JM. Varíola: uma doença extinta. À sombra do plátano: crônicas de história da medicina. São Paulo, p. 227-230. UNIFESP, 2009. Disponível em: <http://books.scielo.org/id/8kf92/pdf/rezende-9788561673635-24.pdf>
A chegada da vacina
Na luta contra a varíola, os povos orientais foram os primeiros a utilizarem a chamada “variolização”, que consistia na inoculação de material retirado das pústulas de um enfermo, na pele de um indivíduo são. Logo após com avanço de estudos, o naturalista e médico rural Edward Jenner (1749-1823) fez uma grande mudança no cenário da doença desenvolvendo a vacina contra a varíola. Jenner, pacientemente, colecionou observações que demonstravam que os indivíduos pré-contaminados pela doença bovina ficavam propensos em adquirir a varíola, criando assim a vacina animal contra a varíola. Parecia absurdo introduzir no corpo humano o vírus de uma doença de bovinos, mas apesar das resistências a vacinação antivariólica foi difundida por todo o mundo.
Inúmeras linhagens de vírus foram obtidas nos quase dois séculos de vacina contra a varíola. Elas eram testadas em diferentes animais, gerando especulação de que o vírus vacinal tenha se originado da mistura entre o vírus da varíola e o cowpox, ocorrida nos primórdios da vacinação, ou outras possibilidades seriam mutuais após passagens em diferentes hospedeiros ou misturas com outros vírus. Em 1864, a promoção de vacina mais segura e em quantidade concentrada foi obtida pelo crescimento do vírus em ponto expugnável de bezerros. Porém, a vacina assim que produzida e acessível, durava um extremo curto período de tempo. Depois com a produção em larga escala de vacina estável, algumas datas importantes surgiram como: Organização PanAmericana de Saúde (OPAS) decidiu em 1950, dar início ao programa de erradicação da doença do hemisfério. Em 1959, a Organização Mundial da Saúde (OMS) decidiu adotar campanha de erradicação global, e logo em 1967, a doença havia sido exterminada das Américas, com exceção do Brasil. Segundo recomendação da OMS, passou-se naquele momento uma grande contratação de profissionais para a produção da vacina e muitas cepas foram testadas. As mais comumente utilizadas com essa finalidade foram as cepas Lister e New York City Board of Health. Países como a China e a Índia preferiram utilizar outras cepas, denominadas Temple of Heaven e Patwadanger, respectivamente. Os resultados desse esforço concentrado logo se fizeram sentir. No Brasil, a vacinação antivariólica foi introduzida ainda no século XVIII, porém era praticada de maneira errônea e ao mesmo tempo combatida e rejeitada pela população. Os surtos epidêmicos continuaram ocorrendo e apenas no século XIX a vacinação tornou efetiva no Brasil e no século XX após a campanha iniciada no Rio de Janeiro por Oswaldo Cruz.
REFERÊNCIAS
LEVI, GUIDO CARLOS; KALLAS, ESPER GEORGES. Varíola, sua prevenção vacinal e ameaça como agente de bioterrorismo. Rev. Assoc. Med. Bras., São Paulo , v. 48, n. 4, p. 357-362, Dec. 2002. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-42302002000400045&lng=en&nrm=iso>.
Dados Epidemiológicos
Para evidenciar os grandes números que acompanham a varíola, um exemplo é o ano de 1967, quando foram notificados cerca de 10-15 milhões de casos, além das 300 milhões mortes nos período entre 1897 a 1980.
Ainda no âmbito da mortalidade, Ásia e África ficaram com taxas em torno de 20%. A maior mortalidade observada ocorreu em uma epidemia no Kuwait na década de 60, com 43% de casos fatais. Nas Américas, as taxas de mortalidade no início do século XX se igualavam às de outros países do mundo, 3%.
Tendo em vista os riscos do surgimento de casos a partir de amostras guardadas nos laboratórios que executaram o diagnóstico laboratorial, os mesmos tiveram solicitação para destruí-las, e permaneceram apenas amostras de vírus vivo e completo em apenas dois laboratórios do mundo, um nos Estados Unidos e outro na Rússia. Uma questão fundamental de consequências sérias que a doença deixou foi o risco real do vírus da varíola ser utilizado caso exista fora dos dois laboratórios citados, como uma arma biológica capaz de se disseminar em largos segmentos da população, criando um bioterrorismo.
A varíola foi realmente devastadora. Mudou o clima da América, mexeu em economia de países pela sua alta taxa de mortalidade, mudou todo um cenário da área epidemiológica, trouxe o benefício da vacina e a erradicação, que foi a esperança para outras diversas doenças que hoje podem ser nomeadas como “controladas” pelo desenvolvimento da ciência, desencadeado por uma tragédia chamada varíola.
REFERÊNCIAS
SCHATZMAYR, Hermann G. A varíola, uma antiga inimiga. Cad. Saúde Pública. Rio de Janeiro, v. 17, n. 6, p. 1525-1530, Dec. 2001. Disponível em: <https://www.scielosp.org/article/csp/2001.v17n6/1525-1530/>
JÚNIOR, Antonio Carlos de Castro Toledo. História da varíola. Revista Médica de Minas Gerais, Minas Gerais, v. 15, fev 2004. Disponível em: <http://rmmg.org/artigo/detalhes/1461> Acesso em 21 mai 2020
Imagens
Referências
Artigos que usamos para construção do site e recomendamos leitura para aprofundamento:
TEIXEIRA, Luiz Antonio; ALMEIDA, Marta de. Os primórdios da vacina antivariólica em São Paulo: uma história pouco conhecida. Hist. cienc. saude-Manguinhos, Rio de Janeiro , v. 10, supl. 2, p. 475-498, 2003 Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702003000500003&lang=pt> Acesso em 18 abr 2020.
FERNANDES, Tania Maria. Imunização antivariólica no século XIX no Brasil: inoculação, variolização, vacina e revacinação. Hist. cienc. saude-Manguinhos, Rio de Janeiro , v. 10, supl. 2, p. 461-474, 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702003000500002> Acesso em 18 abr 2020.
FERNANDES, Tania Maria Dias; CHAGAS, Daiana Crús; SOUZA, Érica Mello de. Varíola e vacina no Brasil no século XX: institucionalização da educação sanitária. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro , v. 16, n. 2, p. 479-789, Feb. 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/csc/v16n2/v16n2a11.pdf> Acesso em 20 abr 2020.
LOBATO, Z.I.P. et al. Surto de varíola bovina causada pelo vírus Vaccinia na região da Zona da Mata Mineira. Arq. Bras. Med. Vet. Zootec., Belo Horizonte, v. 57, n. 4, p. 423-429, ago. 2005. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-09352005000400001&lng=pt&tlng=pt> Acesso em 20 abr 2020.
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